Que meus filhos e netas recordem o meu amor pela escrita! Afinal as histórias são feitas para serem partilhadas. Só assim elas se propagam e se perpetuam...

sexta-feira, 30 de outubro de 2015

O Colegio S.Jose


Tinha apenas 8 aninhos quando deixei a escola primária do Moatize porque meus pais foram residir para Tete.

Lembro como se fosse hoje, da escolinha e da professora senhora de idade de nome D.Dativa que me ensinou as primeiras letras numa escola de crianças multirraciais que tão bem brincávamos nos recreio.

Pois com pena deixei para trás os coleguinhas e a velha malambeira que fazia sombra às brincadeiras nos intervalos.

Com a mudança ingressei no colégio de freiras da cidade, Colégio de S.Jose de Cluny.


Outro tipo de ensino, outro ambiente e tudo o mais diferente da escola anterior, e como professora uma freira anafada de vestes tais que apenas se via a cara e as mãos, que me deixou apreensiva. Irmã Florência.



Não foram fáceis os primeiros dias numa escola onde não havia por ali a circular só meninos da minha classe mas tantos meninos mais crescidos de todas as classes.

Tudo foi correndo uns dias bem outros assustada pois entre nós havia uma garota mais crescida que todos de nome Leonor que era sempre chamada para nos dar réguadas com a menina-de-cinco-olhos, quando não aprendíamos ou dávamos erros no ditado.

Raras eram as vezes que não ia para casa chorar, não porque tivesse levado réguadas mas assustada com tamanha disciplina.

A sala de aulas era no rés-do-chão do colégio ao lado esquerdo de quem entra, no mesmo corrido da sala de música e do gabinete da madre superiora.

Bastas vezes me perdia divagando ao som do piano senão quando ouvia a cana a bater na minha carteira, que fazia o tinteiro branco redondo de tinta saltar.

Ao intervalo brincávamos no espaço livre em frente a sala de aula, no entanto eu tremia quando da porta do gabinete da madre superiora aparecia a Madre Margarida, simplesmente a olhar para os seus meninos, mas o respeito dava medo.

E foram passando os anos e aquele colégio tornou-se a minha segunda casa, anos após ano foi ali que estudei e aprendi o muito que hoje sei.

Com o tempo as amizades foram-se criando e os medos foram-se perdendo.

Essa liberdade irreverente que muitas vezes deram aso a castigos que cumpríamos à risca mais que não fosse para rapidamente voltarem ao grupinho por sinal não muito bem comportado.

Mas era entre risos de alegria que fazíamos as nossas patifarias.


No primeiro ano que chumbei, de castigo meu pai pôs-me em Vila Pery a estudar como interna, tempo que já relatei tempos atrás.

Mas de nada valeu, apenas uma grande tristeza que se apoderou de mim e de meu pai com esta separação e depressa voltei a Tete ao meu colégio a minha segunda casa.
Regressei  no ano seguinte, era ali o meu lugar, onde encontrei os professores que me dobraram na minha indisciplina. 
Não falando da Irmã Maria que segurava todo o colégio a pulso forte, e um ou outro professor a brincadeira continuava.

Relembro um professor de francês que dava a aula independente do barulho que fazíamos até que um dia desafiamos a sorte jogando à bola durante a aula.

A sala de aula era virada para a frente do colégio junto a varanda da sala dos professores
.
Dr. Patrício mandou-me “fechar a porta por fora” o que queria dizer que ia para a rua. Obediente levantei-me e fechei a porta pela frente, dei a volta pela sala dos professores aquela hora vazia e entrei novamente na aula pela porta lateral que dava para a dita varanda da frente.

O grupinho aliado nas minhas brincadeiras desatou aos risos enquanto sorrateiramente me sentava no meu lugar novamente.

O professor mandou-os calar e nem deu pelo meu retorno à sala de aula.

Fui sempre externa mas numa altura que meus pais se ausentaram da cidade fiquei uma semana ao cuidado do colégio ou seja como interna, e realmente também foi outra aventura.

Após o dormitório estar em silêncio mais uma vez o grupinho de bem comportadas resolveram fazer um pick nic, e carregadas de bolachas e doçarias rastejamos por debaixo da cama e juntamo-nos tentando fazer pouco barulho o que não resultou pois a irmã que tomava conta apareceu de lanterna na mão focando todas as camas a ver o que se passava.

Minutos antes de aparecer todas se enfiaram nas camas mais perto, outras ficaram duas na mesma cama e outras ficaram mesmo debaixo da cama, no maior silêncio, não vendo alteração alguma a irmã retirou-se e la continuamos a paródia.

Enfim muitas cenas destas se passaram naqueles anos, mesmo assim fui boa aluna.

Deixei amizades e parti para a vida ali me separei de todas por imperativo da guerra colonial que nos levou cada uma para seu lado.

Anos depois quando casei naquela igreja mesmo ao lado do colegio onde toda a vida estudei não poderia faltar a foto de familia e nela todas que me acompanharam vida fora.

Ainda hoje Irmã Trindade à epóca bem jovem recordamos o dia em que ela sentada ao orgão da igreja tocou pela primeira vez numa cerimonia de casamento, a minha.


É um orgulho este meu passado.

Voltei um dia a Tete e nas mesmas escadas que tantas recordações tenho fiz questão de tirar uma foto com as alunas actuais.






Meio século depois quando a vida nos separou e criamos novas responsabilidades, viramos mãe de filhos e avó de netos eis que anualmente nos juntamos.


É o nosso dia e vamos passando palavra e cada ano mais e mais colegas aparecem e por horas voltamos á irreverencia dos tempos de juventude, falamos e rimo-nos sem controlo porque acima de tudo aquelas são a família de muitos anos de estudantes.

E eis que aparecem fotos nas páginas de cada uma com um ar de felicidade e cumplicidade que o tempo jamais apagará.

Em todos estes anos apenas faltei a 2 encontros e este último com muita pena deixei de ver colegas que o destino ainda não nos havia juntado.

Que Deus permita que nos juntemos todas por muitos anos.
Até sempre amigas!

(Nota: Algumas fotos do colegio aqui colocadas são partilha de amigos da internet)